Miloro*
segunda-feira
Ausência
domingo
sábado
Folha em Branco...
...vou escrever mais uma página. Ela não tem que ser grande nem pequena, as palavras não têm que ser bonitas e não tem sequer que ter pontuação. Tem que ter | ser... apenas escrita...
Por vezes, "agigantamos" (a palavra, nem sei se existe, mas o significado tenho-o comigo), bem, continuando… "agigantamos" tanto a realidade que nos perdemos nela… As coisas tornam-se tão imensas que se transformam intocáveis. Podemos vê-las, senti-las, e muitas ferem-nos todos os sentidos… Podemos dizer-lhes “Sai daqui”, “não te preciso” mas elas não vão, não deixam de lá crescer na existência, são presenças impostas…
Às vezes penso… A tal página, essa que tenho que escrever hoje, queria tanto poder deixá-la em branco, que ela acontecesse sem que eu desse conta… Mas que a história não deixasse de ser escrita, eu sei que ela tem que continuar… é que, às vezes sinto-me tão cansada de escrever, doem-me as mãos e os olhos e há palavras, frases inteiras em que me esgota pensar…
O que eu queria realmente escrever são notas, notas de rouxinol… mas o rouxinol não tem notas, ele canta e pronto… sim, era isso que eu queria… cantar… e pronto…
Eu quero essa melodia para mim e que a tal realidade se deixasse tocar, ou eu me deixasse tocá-la ou nos encontrássemos a meio do caminho… para eu a poder ver inteira e esses lugares tão grandes não me ferissem os olhos…
Queria outra coisa… viver só de coisas pequeninas, porque as coisas pequeninas causam dor pequenina e as coisas grandes causam dor maior do que elas próprias… lá a realidade é gigantesca e perdemo-nos nos labirintos…
Eu queria seguir viagem, mas todos os caminhos me apontam para ti…
Como é possível tornarmos passado o nosso horizonte? Eu não sei fazer… dói, só queria que passasse, que eu perdesse a viagem mas não importasse…
É hora de dizer adeus… não gosto desta palavra… causa-me arrepios… temor até… mas eu sei que ela existe, que, mesmo que nos atravesse a alma como uma espada, por vezes temos que a usar… pode nem ser numa frase… pode ser só adeus… a frase não é precisa, não se diz adeus assim tantas vezes, acho que ela não se vai confundir, que vai conseguir encontrar a frase onde pertence… dói dizê-la…
Depois… outra hora, porque as horas vão passando e preciso preenchê-las com alguma coisa… nem que seja silêncio… sim, acho que, “por momentos” preciso de silêncio… de mim, sobretudo de mim, porque agora, neste momento sou isto, e preciso de silêncio d’isto, da tal frase do adeus…
Canso-me por hoje…
Amanhã talvez a luz me visite, me beije a face e quem sabe… até fique um bocadinho…
quarta-feira
Doze moradas de silêncio...
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
(...)
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das
chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
descalças
hoje"
AL Berto
Guardador da ilha (Al Berto)
In "O Anjo Mudo" de Al Berto